sexta-feira, 29 de abril de 2011

Paul Bocuse é considerado Chef do Século pela CIA

Paul Bocuse foi homenageado na primeira semana de abril como o Chef do Século pelo quinto anual do Premio Augie pelo The Culinary Institute of America (CIA) no Marriott Marquis, Times Square, em Nova York. Ele é um dos chefs mais importantes associados à Nouvelle Cuisine, que é menos opulenta e calórica do que a cozinha classica tradicional e salienta a importância de ingredientes frescos de alta qualidade.

"Paul Bocuse foi para a Culinaria o equivalente que Elvis Presley foi para a musica, uma fonte de grande inspiração, o objeto de nossa adoração, e o modelo para nossa emulação", disse o presidente da CIA Dr. Tim Ryan na apresentação de Bocuse, 85, ao prêmio. "Assim como os músicos de todo o mundo desde os Beatles a Bruce Springsteen aspirava a ser como Elvis, legiões de jovens chefs sonham em ser Paul Bocuse."

Bocuse é considerado o pai da cozinha moderna francesa. Ele foi um dos primeiros a sair de trás da porta da cozinha, trazendo o rosto e a personalidade do chef para a sala de jantar. Seu restaurante L'Auberge du Pont de Collonges perto de Lyon, na França, conquistou três estrelas no Guia Michelin por 47 anos consecutivos. Ele também é o criador da prestigiada competição culinária internacional 'Bocuse d'Or'.
Embora esteja agora aposentado, Bocuse tem restaurantes 'high-end' em todo o mundo. Ele ainda fiscaliza a  cozinha do L'Auberge du Pont de Collonges todos os dias e almoca por la. 


No dia seguinte, apos receber o prêmio Chef do Século, Bocuse foi ao campus Hyde Park da CIA em Nova Iorque e realizou uma sessão de perguntas e respostas com a participação de mais de 1.000 alunos.


"A Novelle Cuisine significava nada no prato e tudo na conta."– Paul Bocuse

quinta-feira, 28 de abril de 2011

Discutindo Verdades

"Eu não sei nada sobre alimentação e culinária." Fez os nossos ouvidos se animarem. Ele continuou: "Seria preciso uma vida inteira para saber sobre os tomates", disse ele, citando o fato de que existem mais de 3.000 tipos diferentes de tomates. "Multiplique isso por todos os ingredientes diferentes que você pode imaginar." Palavras humildes de Ferran Adria, o cara que serve parmesão de neve e azeitona líquida, quem transformou elBulli em um dos restaurantes mais falados no mundo nesta última década.

Ontem, em uma conversa com algumas colegas da Nutricao, fui indagada: "Tu tens curso de Gastronomia, entao tu es uma Chef?" e eu respondi: "Nao, eu nao me considero uma Chef ainda, eu sou Tecnologa em Gastronomia". Perai! Como assim, nao e' a mesma coisa? Assim como elas, muitos devem estar se questionando... Hoje em dia, com o numero cada vez mais crescente de cursos de Gastronomia ou de 'formacao de Chefs' disponiveis no mercado, e' muito comum, tanto por parte dos aspirantes, quanto dos que olham de fora, acharem que, desde que tu tenhas concluido o curso e ganhado o "chapelao", tu pode ser considerado um 'Chef'. Nao, nao e' bem assim a coisa ... Mais ainda, praqueles que, como eu, tem vontade de um dia chegar la, e' importante saber que esta diferenca existe.

Comecando com uma abordagem mais tecnica e, de acordo com alguns dicionarios, "Chef ("chefe", em frances, por sua vez do latim caput, "cabeça", "líder") é o indivíduo que elabora os pratos e organiza toda a cozinha do restaurante além de supervisionar os serviços dos cozinheiros em hoteis, restaurantes, hospitais, residências e outros locais de refeições, planejando cardapios e elaborando o pré-preparo, o preparo e a finalização de alimentos, observando métodos de cocção e padrões de qualidade dos alimentos." Ou seja, o Chef e' o 'gerente' da cozinha.

Ta bom, mas se pararmos pra pensar, o que na verdade diferencia um Chef de um cozinheiro? Sim, todos os Chefs sao necessariamente cozinheiros, mas nem todos os cozinheiros podem se dizer 'Chefs'. Ja ouvi dizer que a diferenca e' que o cozinheiro le a receita e apenas a reproduz; ja o Chef, cria obras de arte que podem ser ingeridas. Mas nao e' so' isso nao. Mais importante ainda, o 'Chef' e' aquele que, independente de ter algum curso de formacao, tem fortes habilidades de gestao, entende sobre os alimentos e, acima de tudo, tem amor por aquilo que faz. Sim, pode parecer cliche e doer de ter que ler isso, mas e' a mais pura verdade. O 'Chef' precisa ser capaz de transformar, criar, inovar... E como fazer isso tudo sem sentimento, sem paixao? Ele e' aquele cara que, de alguma forma, conheceu as tecnicas basicas da cozinha e criou um mundo em cima delas. Que olhou pra uma receita qualquer e nao copiou exatamente tudo o que ela disse, mas fez uma critica a cada passo (porque tem conhecimento pra isso) e escreveu sua propria assinatura embaixo. E' aquele cara que, de diversas maneiras, e' bem sucedido dentro da cozinha - e sim, isto e' uma jornada, que nao acontece de uma hora pra outra, nem e' algo que um curso de gastronomia pode te dar. Muitos entram pra area pensando no 'glamour' da coisa e que, ao concluirem o curso vao ser contratados como 'Headchefs' nos melhores restaurantes da regiao. Poucos sao aqueles que sabem que, na busca para se tornar um 'Chef', muitos sacos de batata terao de ser descascados, muitas paredes terao de ser esfregadas, muitos pratos terao de ser lavados e muito trabalho tera de ser criado. Afinal, se tu nao sabe como fazer, como tu vai comandar?

Da mesma forma, eu sinto muitas vezes que existe certo preconceito de quem ja' esta' na area ha mais tempo com aqueles que, na sua busca, estudam, se formam, leem - muitos ainda tem a mentalidade que o 'Chef' e' aquele cara 'grosso', forte, estilo italiano, que so' cozinha (ou entao o 'velhinho' frances, que aprendeu receitas classicas com seus pais) e, mais: que nao existem motivos para estudar Gastronomia, ja que os maiores Chefs nao possuem graduacao formal. Na verdade, as escolas de Gastronomia estao ai pra ajudar aqueles que desejam se tornar Chefs, pra tornar o nosso caminho mais facil, provendo conhecimento sobre as tecnicas basicas e fornecendo alguma informacao sobre como gerenciar uma cozinha. Aqueles caras de antigamente que hoje sao bem sucedidos, provavelmente aprenderam a cozinhar e a administrar na 'marra' porque nao tiveram outra opcao - ha pouco tempo atras quase nao existiam cursos disponiveis e os que existiam eram muito caros. Alem disso, nao ha' nada de errado em ler, em se informar - pelo contrario, atualmente, pra ser capaz de administrar bem uma cozinha, a pessoa tem que ser informada, tem que, alem de cozinhar, perceber o que esta rolando na sua volta, o que virou 'moda', quem esta se destacando e porque, alem de conhecer os ingredientes, as reacoes que eles podem sofrer e os motivos pelos quais estas acontecem. Um Chef importante uma vez me disse: "Pra te manter nessa area tu tem que estar sempre aprendendo. Quando tu achares que nao existe mais possbilidade de aprendizado onde quer que tu estiveres, muda de lugar, de posicao, procura um novo emprego, vai pra outro restaurante!" Apesar disto ser uma verdade, e', na maioria das vezes, por este motivo, que muitos tem em seu curriculo de trabalho uma lista enorme de empregadores mas com 6 meses de experiencia por estabelecimento - o que nem sempre e' favoravel. Como tudo na vida, moderacao e' a saida.

Caras como Thomas Keller, Ferran Adria e Paul Bocuse, nao sao considerados 'Chefs' porque tiveram curso de formacao mas pode ter certeza que sao caras que viajam o mundo atras de inovacoes, que leem muito sobre alimentos e gastronomia e que tem uma vasta colecao de livros de receitas alem da experiencia com o fogao - e que tambem ja descascaram muita batata na vida! E' um conjunto de fatores e seria injusto simplificar a uma ou duas variaveis. E isto sendo, obviamente, um 'circulo vicioso', a razao pela qual eles fazem tudo isso e' porque sao apaixonados por comida. Para ser um 'Chef' entao, e' preciso percorrer um longo caminho, onde a humildade e' imprecindivel pra que se continue a aprender sempre. Pergunte sem medo, observe, leia, pratique e, se na primeira vez der errado, nao se envergonhe de repetir quantas vezes forem necessarias para chegar a perfeicao. E' assim que funciona. E, rigores a parte, com o intuito da anti-banalizacao do titulo e em respeito aqueles que ja caminharam tanto - aspirantes a Chef, perguntem a si mesmos antes de colocar esta qualificacao na frente do seu nome: Sera mesmo que eu ja tenho tudo isso?


sábado, 23 de abril de 2011

Hot Chefs - TOP 10

Tá bom, eu sei que a proposta deste blog era, inicialmente, a Gastronomia inteligente. Mas convenhamos que gente inteligente tambem é filho de Deus né. Ou melhor, filha! Por este motivo, homens que leem este blog, por favor perdoem o tópico de hoje, mas ele é exclusivamente em homenagem às mulheres da cozinha. A gente sabe que, neste meio onde a força e a agilidade masculina são tão valorizadas, as mulheres precisam trabalhar dobrado pra tentar receber a metade do valor que vocês, homens, recebem. Por este motivo, a gente merece uma folguinha. E nada melhor em hora de foga que ... estudar Gastronomia! Sim, mulherada! Nos vamos estudar a lista de hoje que o teu 'melhor blog' de Gastronomia está te presenteando!

Fica registrado, então, que estes moços nao estão neste top 10 por acaso. Além de lindos, eles são bem-dotados (nao, nao é isto que voce está pensando!), bem-sucedidos e cheios de atitude. E é este conjunto de qualidades que fez eles merecerem hoje tal homenagem. Dificil só, foi escolher a posição de cada um (calma, nao se empolgue demais!) NO RANKING!! Mas a gente sabe que, na verdade, isto não faz muita diferenca, desde que eles estejam aqui, enchendo os nossos olhos e as nossas mesas de beleza!

Preparem seus corações!

Numero 10: Carlo Cracco


Italiano, Headchef do restaurante Cracco Peck em Milão. Suas raízes estão na Gastronomia clássica italiana e suas especialidades são pratos com trufas e risottos. Dono, este ano, da posição de número 33 no 'The World's 50 Best' Award.


Numero 9:  Jordi Roca


Chef responsável pelas sobremesas do restaurante em que faz sociedade com seus dois irmãos, Joan e Josep Roca, 'El Celler de Can Roca' em Girona, na Espanha. Eles já criaram pratos e sobremesas baseados nos perfumes da Calvin Klein, Carolina Herrera, Dior, Bvlgari, dentre outros. O restaurante é dono, este ano, da segunda posição do 'The World's 50 Best' Award.
                                   

Numero 8: Todd English


Ele é um 'celebrity chef', dono de restaurante, autor, empresário e apresentador de televisão. Seu restaurante, 'Olive', com sede em Boston, Massachusetts tem também filial em Las Vegas, Nevada, nos Estados Unidos.


Numero 7: Inaki Aizpitarte


Ele é o Headchef do Restaurante Le Chateaubriand, em Paris, na França. O chef basco é dos bistronômicos mais audazes e usa e abusa de desconstruções, espumas e molhos inesperados. O serviço, que tem fama de ser meio rude, no entanto, ocupa neste ano a nona posição do 'The World's 50 Best' Award.


Numero 6: Gerard Craft


                Dono do Bistrô Americano 'Niche', do lado-a-lado 'Taste by Niche' e do restaurante Francês 'Brasserie by Niche', o Chef de apenas 30 anos é celebridade na região central dos Estados Unidos. Considerado pela revista Zagat e por diversas outras fontes, o melhor restaurante de Saint Louis, o Chef, que foi nominado ao prêmio James Beard em 2009 e America's Best New Chef em 2008, é uma promessa dos grandes nomes do futuro da Gastronomia nos Eua. Presença confirmada na lista, visto que eu trabalhei com ele e, além de ser super talentoso ele é um amor de pessoa! Sua meta é sempre manter o sabor original dos alimentos e o seu preferido de cozinhar é um porco inteiro!



Numero 5: Rene Redzepi
Não, nesta lista ele nao tirou primeiro lugar!!!!


 Chef e co-proprietario do restaurante Noma, em Copenhagem, na Dinamarca. Seu empreendimento ocupa, pelo segundo ano consecutivo, o primeiro lugar da lista do 'The World's 50 Best' Award. E, não, eles não tem 3 estrelas no Michelin (tem duas!).


Numero 4: Grant Achatz


Um dos Chefs mais faados do momento, comanda 'Alinea', em Chicago. Adepto da Gastronomia Molecular, seu restaurante ocupa, este ano, o sexto lugar do 'The World's 50 Best' Award.


Numero 3: Roco DiSpirito


Ele é um Chef Italiano/Americano, que vive em Nova York, nos Estados Unidos. Celebridade no mundo, apresentador de televisão e autor de livro, conhecido pela sua 'Fusion' Gastronomia entre Italia e América. Ganhador do Prêmio James Beard, America's Best New Chef e 'Sexiest Chef Alive' pela revista 'People' (Entende-se totalmente o porque!).



Numero 2: Jamie Oliver


Chef de cozinha, bom-moço, escritor de livros e personagem televisiva do Reino Unido.  É conhecido por ser extrmamente contra os fast-foods, pelo uso de alimentos naturais e orgânicos e por seu trabalho recente em mudar hábitos alimentares nas escolas britânicas. Mesmo asim, não mereceu o nosso Nobel!
              

                               
Numero 1:  Alex Atala
Sim!!!! Aqui o nosso brasileirinho não ficou em setimo lugar!!!



 O charmozão de origem Palestina, é dono do restaurante D.O.M (que significa Deo Optimo Maximo), em São Paulo. Ganhador de diversos prêmios de Gastronomia e Melhor Chef, o maior premio até hoje, no entanto, foi o que recebeu na semana passada. Considerado o melhor restaurante da America do Sul, seu restaurante é o único brasileiro a frequentar a lista do 'The World's 50 Best' Award nos ultimos seis anos consecutivos e, este ano, em especial, subiu 11 posições, ocupando o número 7 da lista.


Pois então, meninas, infelizmente chegamos ao fim. Parabéns aos vencedores!!! Lembrando sempre, que, como a gente ja sabe, gosto é subjetivo e esta lista (como algumas outras) nao é nem um pouco acurada. Sendo assim, é de meu entendimento que devem existir inúmeros outros 'Hot Chefs' por ai, que só precisam de um pouquinho mais de visibilidade do corpo de julgamento deste Premio (ou seja, eu!), visto que potencial pra estar na lista eles já tem!

Um beijo à todas e ...
APRECIEM COM MODERAÇÃO.

Aprendendo Gastronomia na Europa

Praqueles que sao estudantes de Gastronomia e sonham em um estagio na Europa, ai vai a dica. Praqueles que ainda nao sao estudantes, mas gostariam de fazer um curso de Gastronomia ou Enologia na Franca, aqui vai a dica.

O site IN-CAREERS (https://www.in-careers.com/) e' especializado em programas de curta duracao na area de hospitalidade na Europa e, em especial, na Grecia. Eles apresentam diversas opcoes de hoteis procurando trainees ou estagiarios pra programas de verao ou de ate 6 meses ou mais de duracao, dependendo do seu interesse. Pra eles, e' interessante contratar estudantes ou recem-formados, porque eles pagam bem menos do que um profissional com mais experiencia e que aceita trabalhar por um curto periodo, como as altas temporadas. Pra isso, alguns provém ajuda de custo com os gastos do deslocamento, pagam entre 400-500 euros por mes, alem de oferecerem alojamento e as principais refeicoes no hotel. Pra se candidatar a uma vaga, basta entrar no site e se registrar com seu curriculo.

Ja a empresa GASTRONOMICOM (http://www.gastronomicom.fr/) em conjunto com o International Culinary Academy oferece programas de gastronomia francesa e de vinhos que incluem x horas-aula de culinaria, x horas-aula de frances e posterior estagio em um hotel no sul da Franca durante x periodo, sendo o x dependente da duracao do programa escolhido. O tempo varia de 1 mes ate' 2 anos e os valores dependem, obviamente, do curso escolhido. Durante o periodo do estagio no hotel, o aluno recebe um pagamento, que gira em torno dos 400 euros tambem e o alojamento e as refeicoes estao inclusos no custo total do programa. Pra fazer o programa, basta entrar em contato com um dos representantes atraves do site. Os cursos sao ministrados em ingles.

Vale lembrar que ambos requerem, no minimo, proficiencia em ingles (fluencia na lingua do pais pra onde se deseja ir e' um plus).



Minha primeira vez (por Rogério Fasano)

O Restaurante 'The Fat Duck' situado em Bray, ha uma hora de Londres, ao comando do Chef Heston Blumenthal reservou, mais uma vez, seu lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo nesta ultima Segunda-Feira, na 5a posicao. E, completando a critica que coloquei no ultimo post, este texto super-interessante de Rogerio Fasano nos faz questionar mais uma vez a acuracia da tao famosa lista. Na minha opiniao, o que e' o melhor e' subjetivo e, definitivamente, uma questao de opiniao - tem aqueles que sao adoradores da cozinha moderna e outros que, como o Fasano, fazem de tudo pra fugir do que contrapoe as tecnicas tradicionais. Por isso, concordo com o Bruno Agostin, quando ele diz que, praqueles que querem indicacoes de verdade sobre quais restaurantes frequentar, o Guia Michelin ainda e' a melhor pedida. Ele tem um padrao de avaliacao e diz se o restaurante se enquadra ou nao naquelas prerrogativas. Nao lista este nem aquele como o melhor porque, com todas as possibilidades da cozinha atual e tantos inumeros bons restaurantes ao redor do mundo, escolher um seria como rotular um unico vinho como o melhor do mundo - nao existe, depende do gosto de quem o aprecia, da ocasiao, dos acompanhamentos, ou seja, de diversos fatores. Ai embaixo, o 'must-read', divertido e cheio de humor sobre o tal do 'Pato Gordo'.


“Desde criança, sou daqueles conhecidos como ‘do contra’. Basta inventarem uma nova tendência ou modismo que procuro uma ponte para passar por cima. Esse jeito de ser me faz invariavelmente adepto doditado ‘não fui, não vi e não gostei’. Por isso, demorei tanto tempo para tomar conhecimento da chamada ‘atual modernidade gastronômica’. Resolvi começar pelo que os aficionados desse tipo de cozinha consideram o mais ousado do mundo, o Fat Duck, a uma hora de Londres. Para quem não sabe, o chef Heston Blumenthal compete com Ferran Adrià, ano sim, ano não, como o melhor do mundo em várias publicações. Lá estamos, mesa para cinco: eu, minha mulher Ana, Drauzio Varella, sua mulher Regina e um amigo em comum, Isay Weinfeld (com quem já dividi inúmeros giros gastronômicos pela Itália). No caminho, fizemos todos a promessa de que iríamos sem preconceitos, para abrir nossas obtusas cabeças e entrar na experiência inglesa gastromolecular de Mr.Blumenthal. Afinal de contas, a Inglaterra é o berço da modernidade, e não é à toa que lá estão os geniais Paul Smith, Radiohead e Jamie Oliver.


Apesar disso, no caminho sentia um certo frio na barriga. Nem a paz e a beleza do interior da Inglaterra eram capazes de me deixar mais tranqüilo. Tinha medo do que estava por vir. Venho de uma família que tem como filosofia que uma refeição perdida nunca é recuperada, daí sofrermos tanto quando reclamações procedentes nos são feitas. A cidade é Bray; o lugar, um antigo cottage, arquitetonicamente charmoso, mas destruído por cinco quadros supostamente modernos, que fariam Picasso franzir a testa. Vamos ao que interessa:


Antipasto 1: nitro chá verde e mousse de limão.
Uma espuma de limão extraída de um sifão é jogada dentro de um pote com nitrogênio a 150 graus negativos, tornando-se imediatamente sólida, a comida vapt-vupt. O efeito? Quase nulo. Apenas amortece um pouco a língua; se soubesse o que viria pela frente, teria comido estas bolinhas como pipoca, para amortecer de vez o palato.



Antipasto 2: Ostra com molho de maracujá em mousse de gelatina.
Gostaria de deixar aqui uma pergunta: existirá no universo algum tipo de molho que melhore uma ostra? Duvido. O nosso era um desses molhos que a nova cozinha tanto adora. Fico imaginando quem foi o sujeito que inventou que a comida gourmand tem que ser agridoce. Guilhotina nele.



Antipasto 3: Sorvete de mostarda com gaspacho de beterraba.
Desfrutamos o gaspacho de beterraba, com um insípido pãozinho servido frio. Quanto ao sorvete de mostarda, é exatamente o que se pode imaginar de um sorvete de mostarda. Estranhíssimo.



Antipasto 4: Pequenas geléias de sabores variados, que não consigo descrever, e cuja matéria-prima ninguém conseguiu identificar.


Antipasto 5: Pequenas torradas com trufas pretas. Excepcionalmente, são sólidas e normais na aparência. Chegaram a ser negociadas a peso de ouro, mas ninguém vendeu as suas. Mesmo sabendo, nós e o Sr. Blumenthal, que as trufas encontradas nesta época do ano são as piores que existem. Gostaria de fazer aqui um aparte: trufa é algo sublime que costuma mudar para melhor quase tudo aquilo que toca. Não confundir com óleo de trufa, que costuma ter o efeito contrário: destrói tudo e parece feito pela Esso, pois tem gosto de gasolina.


1º prato: Escargots com presunto espanhol e erva doce ‘barbeadas’. Muito saboroso.


2 º prato: A quantidade de açúcar que acompanha o foie gras com cereja e camomila nos trouxe de volta à realidade.


3 º prato: Chamado sound of the sea; um espuma branca de textura estranhíssima, com uma espécie de areia-farofa servida ao lado. E acompanhada de quê? De um iPod. Sério! Todos nós recebemos o aparelho, que fomos obrigados a usar, e que reproduzia barulhos do mar. Detalhe: o meu tinha uma camada extra de cera no fone de ouvido, deixada pelo último comensal. Fingi que não percebi e coloquei o meu, afinal de contas as pessoas vão ao Fat Duck para aplaudir, não para reclamar. Fica aqui uma sugestão, seria muito mais higiênico e faria o mesmo efeito, uma concha marinha.
Após retirarmos o iPod, Regina comentou: ‘Estive mês passado no que é considerado o restaurante mais antigo do mundo, que serve assados em Madri’. A mesa quase veio abaixo. A curiosidade voltou-se toda para o que Regina havia comido. Isay, eu e Ana comentávamos o excepcional jantar que tivemos no Harry’s Bar de Londres, um clube privado, que serve cozinha italiana, na síntese da modernidade: rústica, porém delicadíssima.


4 º prato: Já estava perdendo a paciência com nosso amigo Pato Gordo quando chegou um salmão pochê com aspargos, alcaçuz e grapefruit. Sem exageros, considero o pior salmão que comi na vida.
Último prato: Excepcional costeleta de carneiro, porque estávamos na terra do melhor carneiro do mundo, mas era servida com um molho doce, muito doce. O Fat Duck é quase uma confeitaria, que serve alguns salgados.


Meu jantar aqui chegou ao fim. Pulei os doces, pois já tinha comido açúcar demais. Assim fez também Drauzio, que não come açúcar e já tinha ingerido sua dose pelos próximos 20 anos. A sobremesa mais famosa do lugar é um sorvete assim descrito: ‘nitro-ovos mexidos e sorvete de bacon’. Se o sorvete de mostarda já tinha sido duro, o que fazer então com a versão em bacon?
Os outros à mesa receberam o sorvete, mas apenas o tocaram, o que deixou os maîtres um pouco indignados. Não nos importamos muito, pois sabemos que nesses restaurantes, na grande maioria das vezes, o serviço é insuportável. Desde que alguns chefs foram elevados à categoria de diretores de cinema, seu staff age como coadjuvante de grandes estrelas. Eles se sentem contracenando com Marlon Brando ou como assistentes de câmera de Stanley Kubrick.
Exceção feita a um simpático irlandês, ruivo, que a cada esquisitice servida à mesa, com muita ironia, após dez minutos de explicação de cada prato, nos dizia: enjoy it! Como os recepcionistas da casa dos horrores.


Olhei para Isay - arquiteto moderno, antenado, culto, contemporâneo, enfim, entre os grandes - e entendi o que ele sente quando esta arquitetura feita com formas esdrúxulas é considerada moderna.
The end: a conta, 1.300 libras ou R$ 5.600, incluindo uma minúsculataça dos seguintes vinhos e saquê: Iphofer Kronsberg Silvaner SpatleseTrocken 2005; Vin de Pays des Côtes Catalanes, Le Soula, Roussillon; Vinoptima Gewürztraminer Reserve Gisborne; Rashiku Ginjo-SakeYamatogawa; Quinta da Falorca Reserva Dão; Barolo, Nei Cannubi LuigiEinaudi.


Voltamos ao nosso motorista, mais inglês impossível, e acostumado a levar pessoas ao Fat Duck, que com muito sarcasmo pergunta: ‘Any good?’. Isay de bate pronto: ‘No’. Motorista: ‘Lots of people say that’. Penso: nem tudo está perdido."





 Chef  Heston Blumenthal e sua Gastronomia "técnico-conceitual"

Os 50 Melhores Restaurantes do Mundo. Ponto de Interrogação.

Foi divulgado neste ultimo dia 18, em um big evento em Londres, os 50 melhores restaurantes do mundo de acordo com o Premio St.Pellegrino da revista inglesa 'Restaurant'. O restaurante Noma, na Dinamarca, ganhou o primeiro lugar da lista pelo segundo ano consecutivo. A Franca foi citada 8 vezes e e' o pais que mais conquistou titulos no premio de 2011. O Brasil aparece tambem na lista, no setimo lugar, com o Chef Alex Atala, de D.O.M em Sao Paulo, que pelo sexto ano consecutivo se faz presente, mas este ano, excepcionalmente, subindo 11 posicoes. Que esta rolando um monte de pompa quanto a este premio, a gente ja sabe, mas sera' que ele faz de verdade o que tenta fazer?

Li um critica bem legal sobre a 'lista' e queria repassar a voces. E' de Bruno Agostin, da sessao Enoteca, de 'O Globo', e nos da uma perspectiva mais ampla sobre o assunto. Ai vai:


"Eu não gosto muito de listas, mas entendo que elas servem de boa referência. Também não gosto de pontuar vinhos, mas penso que essas notas talvez sirvam para ajudar o público.
Poucas vezes vi uma eleição tão distorcida causar tamanho impacto. A tal lista de 50 melhores restaurantes do mundo, da revista Restaurant, é uma piada. Por anos a fio, eternizou o Ferran Adriá como o maior cozinheiro do mundo, quando sabemos que não é. Sou mil vezes o estilo Ducasse, só para ficar num único chef. No ano passado resolveram inventar o Noma, que seria, para a revista, o melhor do mundo. Mas isso por acaso é uma piada? Talvez seja o melhor da Dinamarca, não sei. Mas do mundo, tenho absoluta certeza de que não é. Não pode ser. Sequer é o melhor da Europa. E não é preciso ir até a Dinamarca para saber. Que o cara faz um lindo trabalho, em uma cozinha purista, baseada em ingredientes frescos, que é a mais pura vanguarda na gastronomia atual, isso sim. Mas "melhor do mundo", para mim, significa outra coisa. Imagino que só no Japão deva haver pelo menos dez restaurantes melhores. Some aí mais uns outros dez na França, outros tantos na Itália e na Espanha, já percebemos que o Noma talvez seja o 50º melhor restaurante do mundo, o que não é pouca coisa, convenhamos.
Assim como é muito estranha a colocação sempre ótima do britânico Fat Duck (pelo amor de Deus!!! Uma das melhores crônicas gastronômicas da história foi escrita por Rogério Fasano, sobre o Fat Duck: ele demoliu o restaurante, que é queridinho dos... ummmm... foodies. Cruzes. Dá até medo dos pratos, pelas suas descrições).
Também é espantoso o DOM ser eleito o sétimo melhor do mundo. Em primeiro lugar, que fique claro: sou fã do Atala, o cara é fera, e faz um trabalho de pesquisa incrível, e o país deve a ele, em grande parte, o bom momento que vivemos hoje. Ele é o cara. Além de tudo, é simpático, trabalhador, um cara que valoriza o trabalho dos colegas, que não se acha, que tem humildade e muito talento, pesquisador incansável. E eu, como brasileiro, tenho que reconhecer que fico feliz e orgulhoso com a eleição. Mas o próprio Alex Atala se espanta com a sua colocação, como quem sabe que esse lugar não é dele. Acho que não é sequer o melhor restaurante de São Paulo (eu, pessoalmente, tive experiências melhores no Fasano e no Kinoshita, e olha que ainda não conheço o Sakamoto). Certamente, do Brasil não é.
Mas, enfim... isso é só a minha opinião, que certamente também é distorcida. Porque não há uma verdade absoluta. Mas, como já disse, o Noma não é o melhor restaurante do mundo, e nem o DOM é o melhor do Brasil. Essas, sim, são duas verdades absolutas. E essa lista é uma piada.
Há resultados aceitáveis, como o El Celler de Can Roca, o Mugaritz e o Arzak, na Espanha, a ascenção do Alinea, de Chicago, e até a colocação do Per Se. Ei, espera aí: então quer dizer que o DOM é melhor do que o Per Se? (Dos dez, são os dois únicos que já fui). Mas está a nos-luz, a anos-luz. Cadê o Pierre Troisgros, por exemplo?

Também fico me perguntando: será que não tem restaurante nem no Peru nem no México, como sabemos muito mais avençados que nós em termos de culinária típica? (ATUALIZAÇÃO: escrevi o post antes de ter a lista completa, que colocou, sim, dois mexicanos e um peruano. Bem... nem tudo está perdido, como disse o 'Gero Fasano, no desfecho de sua crônica sensacional sobre o Fat Duck).

Numa boa: quer saber os melhores restaurantes do mundo? Compre um Guia Michelin.
Por fim, que fique claro: o Noma, certamente, é um ótimo restaurante, entre os melhores do mundo (entre os 50, talvez 100, o que é uma boa colocação, né?), eu gostaria imensamente de fazer uma refeição ali. Mas não é o melhor do mundo, e todo mundo sabe disso, menos a revista Restaurant."




Para quem está curioso, está aí a lista dos 50 melhores: (Mais informacoes: http://www.theworlds50best.com/)

1- Noma Denmark – Dinamarca
2- El Celler de Can Roca – Espanha
3- Mugaritz – Espanha
4- Osteria Francescana – Itália
5- The Fat Duck – Reino Unido
6- Alinea – Estados Unidos
7- D.O.M. – Brasil
8- Arzak – Espanha
9- Le Chateaubriand – França
10- Per Se – Estados Unidos
11- Daniel (Estados Unidos)
12- Les Creations de Narisawa (Japão)
13- L’Astrance (França)
14- L’Atelier de Joël Robuchon (França)
15- Hof van Cleve (Bélgica)
16- Pierre Gagnaire (França)
17- Oud Sluis (Holanda)
18- Le Bernardin (Estados Unidos)
19- L’Arpège (França)
20- Nihonryori RyuGin (Japão)
21- Vendôme (Alemanha)
22- Steirereck (Áustria)
23- Schloss Schauenstein (Suíça)
24- Eleven Madison Park (Estados Unidos)
25- Aqua (Alemanha)
26- Quay (Austrália)
27- Iggy’s (Singapore)
28- Combal Zero (Itália)
29- Martín Berasategui (Espanha)
30- Bras (França)
31- Biko (México)
32- Le Calandre (Itália)
33- Cracco (Itália)
34- The Ledbury (Inglaterra)
35- Chez Dominique (Finlândia)
36- Le Quartier Français (África do Sul)
37- Amber (China)
38- Dal Pescatore (Itália)
39- Il Canto (Itália)
40- Momofuku Ssäm Bar (Estados Unidos)
41 – St John (Inglaterra)
42 – Astrid y Gaston (Peru)
43 – Hibiscus (Inglaterra)
44 – Maison Troisgros (França)
45 – Alain Ducasse au Plaza Athenee (França)
46 – De Librije (Holanda)
47 – Restaurant de l’Hotel de Ville (Suíça)
48 – Varvary (Rússia)
49 – Pujol (México)
50- Asador Etxebarri (Espanha)

sexta-feira, 22 de abril de 2011

Gastronomia Molecular para iniciantes!

Pra quem, como eu, se interessa por Gastronomia Molecular, ai vai a dica! A empresa MOLECULE-R, situada em Montreal no Canada, montou um dvd com 50 receitas super faceis e praticas sobre as tecnicas basicas de GM, como a producao de espumas, caviar e macarroes de diversos sabores. Nao precisa saber falar ingles nem frances, nao! As aulas sao auto-explicativas atraves das demonstracoes.


As tecnicas mais inusitadas e que impressionam aqueles que provam, podem estar agora ao alcance de todos nos! O kit 'CUISINE R-ÉVOLUTION' que inclui o dvd, 5 quimicos basicos diferentes e os utensilhos que o aprendiz vai precisar custa $58 e a taxa de envio ao Brasil custa $20. Praqueles que nao podem comprar, ou querem dar uma olhadinha antes, a empresa divulga no Youtube uma previa com alguns dos videos que estao disponiveis no Kit. A proxima promessa e' o kit de dinks com GM, que deve chegar ao site da empresa nas proximas semanas! Muito legal, vale apena conferir!


Cliquem no titulo do post pra ir ate' o site!


Boa Pascoa a todos!



terça-feira, 19 de abril de 2011

Gastronomia Molecular: Revolução ou Guerra na Cozinha?

Quem nunca ouviu falar no termo "Gastronomia Molecular", e' bom ir se acostumando a ouvir este nome um tanto diferente pra falar de comida - a ultima moda dentro das cozinhas mais requintadas do mundo e' a utilizacao desta nova forma de se 'cozinhar'. Na verdade, este novo ramo da Gastronomia, se baseia na atuacao conjunta de cientistas e cozinheiros em cozinhas transformadas em laboratorios (ou vice-versa), procurando investigar e explicar as reacoes quimicas por tras da transformacao dos ingredientes com o intuito de transforma-los ainda mais de diversas formas diferentes. O termo, que foi inicialmente proposto em 1992 por dois fisicos, um Hungaro e um Frances, se refere a um novo estilo proposto de se cozinhar, um estilo mais moderno que tira vantagens das inovacoes da ciencia trazendo-as para dentro da cozinha. Foi mais pro final da decada de 90, entretanto, que Chefs do mundo todo comecaram a utilizar-se amplamente de varias gomas naturais (uma das mais utilizadas e' conhecida como Agar-agar) e hidrocoloides produzidos pela industria de alimentos com a finalidade de inovar e aumentar suas possibilidades de criacao.


Coisas do tipo sorvete quente, caviar de melao, po' de vinagre e croquetes de presunto liquido, alem da utilizacao de Dioxido de Carbono para criar espumas, nitrogenio liquido para congelamento rapido e producao de cristais, uso de diversas enzimas, seringas para a injecao de gorduras nas carnes, por exemplo, e inumeros outros equipamentos ate' entao utilizados apenas em laboratorios, foram parar nas cozinhas. Essa e' a maneira como, ultimamente, muitos Chefs andam 'brincando' de cozinhar, tornando os pratos mais atraentes, coloridos, criando novas texturas e combinacoes de sabores inusitadas.


Para alguns, no entanto, o que e' considerada a forma de transformar ingredientes simples em incriveis experiencias, carrega inumeras controversias e opinioes divergentes do ponto de vista legal e etico quanto a difusao destas novas tecnicas na Gastronomia. Sera que podemos nos orgulhar de uma cozinha que enche os pratos de gelificantes e emulsifcantes de laboratorio? Aditivos ate' entao utilizados apenas em redes de fast-food agora estao tomando conta da haute cuisine - ou cozinha classica francesa e uma dose mal aplicada de algum componente no prato pode transformar-se em veneno. Alem do mais, nao sabemos ainda quais as consequencias de todos estes componentes quimicos se acumulando ao longo dos anos no nosso organismo.

Sera' entao a Gastronomia Molecular a nova 'cura' ou a nova 'doenca' da cozinha moderna?





Clique no titulo do post e divirta-se comuma receita de Caviar de Menta!

quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Alma de um Chef: Uma Jornada Rumo a Perfeição

"Nós estamos nos tornando, lamentou Keller, uma nação de 'noncooks'. Nos restaurantes, ele disse, cozinhar tornou-se refogar rapidamente. O que posso fazer que eu so' precise jogar em uma frigideira ou na grelha? Quanto realmente eu preciso processar este limento uma vez que o recebo na porta traseira? ... Atalhos no cozimento resultaram nos 'noncooks'. Enquanto o restaurante 'The French Laundry' recebe cabeças de porcos e cordeiros inteiros para dividir em postas, a maioria dos restaurantes recebem a sua carne porcionada em pacotes fechados a vacuo. Esta tinha sido a minha experiência. Eu tinha cozinhado mais de mil tiras de bifes como o cozinheiro grelhador no 'Sans Souci', mas eu nunca soube de que parte da vaca aquelas faixas tinham vindo, o unico abate necessário foi cortar e abrir o plástico. Atalhos para cozinhar na verdade sao uma forma de não se cuidar e, portanto, uma forma de desperdicio."(Pg. 300)

Ha uns meses atras, ainda nos Estados Unidos, li um livro de culinaria que nao tinha nenhuma receita. Isso mesmo, ele nao falava nada de tecnicas de cozimento nem da escolha dos ingredientes, mas ele mudou minha concepcao de muita coisa quando se trata de cozinhar. "The Soul of a Chef: A Journey Toward Perfection", escrito pelo autor Michael Ruhlman, graduado em Gastronomia pela conceituada CIA (Culinary Institute of America), e' um thriller que vai em busca da essencia do que e' ser um Chef, quais as qualidades que os torna diferentes das outras pessoas e o que diferencia os bons dos grandes. De acordo com Ruhlman, grande parte da identidade do que e' ser um Chef foi perdida ao longo dos ultimos anos. O autor diz que ser um Chef significa muitas coisas para muitas pessoas;  o treinamento formal nao e' um pre-requisito para se tornar um Chef e te-lo nao significa automaticamente que voce e' um - muitos do grandes Chefs da atualidade como o Thomas Keller, por exemplo, sequer tiveram aulas de culinaria. Fora o fato da minha cachorrinha ter mascado toda a capa da minha edicao, ela esta quase que toda colorida de marcador de texto pelos seus belos dizeres e questionamentos interessantes.


O livro e' dividido em tres partes. A primeira parte aborda o Exame para Master Chef, que acontece no 'Culinary Institute of America', e e' um teste extremamente dificil que visa avaliar objetivamete a perfeição sobre um amplo conjunto de provas de culinaria avaliadas por uma banca de Master Chefs. A taxa de insucesso dos participantes é altissima, mesmo para aqueles no topo da sua carreira profissional que cozinham em alguns dos melhores restaurantes do mundo produzindo diariamente alguns dos pratos mais originais e criativos ja degustados. É um teste cansativo, desgastante e uma medida de excelência que não é aceita por muitos na indústria, principalmente porque poucos podem realmente repassa-la nos seus ambientes de trabalho. Dado o tempo perdido, os gastos e o estresse que impõe, e' de se questionar que alguem ainda se submeta a ele. De acordo com o CIA, existem cerca de 2 milhoes de Chefs nos Estados Unidos e dentre estes, apenas 53 sao considerados Master Chefs, sendo que 170 ja passaram pelo exame desde seu inicio em 1989 (dados de 2001, quando o livro foi lancado). Para fazer a prova, o Chef deve pagar inicialmente uma quantia de $4.400, alem dos gastos adicionais com deslocamento ate a California, hotel e o que mais for necessario durante os 10 dias ou 140 horas intensas de testes. Dos que pagam e tentam, mais da metade nao passa. Mascarado como um observador, Ruhlman acompanha os candidatos que fazem o exame, testemunhando os erros críticos na execução e no aperfeiçoamento de pessoas que realizaram essas mesmas tarefas inúmeras vezes antes, mas que falham devido as circunstancias as quais estao sendo submetidos. O teste, que tenta definir um padrão de excelência na indústria, parece fazer muitos ruir sob a pressão, pondo em questionamento a sua validade, dada a comprovada excelencia previa dos Chefs. 


A segunda parte do livro segue falando do Chef Michael Symon e do quanto ele tem que batalhar para abrir Lola, um restaurante que vai lhe encher de notoriedade no meio culinario. Symon é conhecido por sua personalidade criativa, pelos seus saborosos pratos e atitude positiva. O restaurante, nem os pratos que ele oferece, sao considerados um exemplo de perfeicao e ainda assim Symon e' considerado um grande Chef -que alias nunca teve interesse algum de ser um Master Chef. A lista de espera é longa, o restaurante está sempre lotado e os comentários são sempre elogiosos, apesar de tudo. Sua equipe é fiel, querendo manter-se trabalhando com ele. Como isso pode acontecer em um lugar que nao busca a perfeicao? O que ele tem que o faz um grande Chef? 

Ruhlman passa então ao notável chef Thomas Keller do restaurante 'The French Laundry', considerado o melhor chef do país e talvez do mundo. Keller nao possui nenhum treinamento formal, mas um desejo de ser perfeito e instilar a perfeição em todos que o rodeiam. Keller também nunca se preocupou em ser considerado um Master Chef e ainda assim ele talvez supere a todos eles. Keller e' observado e retratado como um cozinheiro 'zen', com uma filosofia de cozinhar respeitando o alimento e sempre mantendo ao maximo as caracteristicas do seu sabor original. Sua filosofia é fazer de tudo pra utilizar toda a planta ou animal na producao dos pratos para seus convidados, como sinal de respeito à honra do animal e até mesmo dos vegetais. De acordo com ele, ambas as formas de vida precisam ser cuidadosamente tratadas de maneira a respeitá-los e todo o trabalho daquelas pessoas que cuidaram delas ate' aquele momento. Uma refeicao em seu restaurante é uma experiência pra ser lembrada sempre, nao somente pela excelente comida e pelo servico exemplar, mas pelas histórias que Keller conta através de sua culinária.

O autor, felizmente, se obtém de uma visão clara do que a alma de um chef é. Ele entende o que um teste não é capaz de medir e que aquilo nao e' o que verdadeiramente faz um chef ser grande. Ao refletir sobre Lola de Michael Symon, ele observa: "O que eu não sabia naquela época era que o molho sobre a mesa de vidro não importa, nem importa que as placas foram pintadas, se o chão esta arenoso. Isso não é o que importava aqui. Tudo o que importava era que você se sentiu bem no instante em que atravessava a porta. "(P. 205) Keller com seus padrões, Symon com sua personalidade -ambos compartilham de uma coisa, o desejo de fazer as pessoas felizes. Alguns cozinham por dinheiro, outros cozinham por necessidade, mas os grandes Chefs fazem porque algo os impulsiona. E isso é o que observa Ruhlman como sendo talvez a razão por que tantos grandes chefs talentosos nao passam ou nao se interessam em passar no Exame de Master Chef.  Eles são obrigados a cozinhar em um cenário nao natural para agradar a um painel de juízes. Eles são convidados a pegar o que eles têm feito toda a sua vida, cozinhar para fazer as pessoas felizes, e colocar de lado para que possam ser avaliados objetivamente. Sua principal ligação com o ato de cozinhar é retirada e, como tal, um pedaço de sua alma está ausente do exame.

Este livro nos faz pensar sobre o que realmente faz um grande chef e qual o núcleo da sua alma. Faz a gente se questionar coisas como:  Sera que eu tenho isso? Se não, sera que eu posso conseguir isso? Quais as normas que vou estabelecer pra mim mesmo? Como fazer pra obter o conhecimento que eu preciso para ser um grande Chef? E por que eu quero ser grande? Em uma nação de 'noncooks', cozinhar para as pessoas somente por dinheiro ao inves de paixão gera, como em qualquer outra profissão, a mediocridade. E eu sei que eu não quero cair nessa categoria. Sem ser fundamentada nos princípios da valorização do alimento e de toda a sua história,  a refeicao poderia muito bem ser produzida por robôs, uma comida onde a alma esta faltando. A história está faltando. Os prazeres simples de cozinhar estão faltando. E então eu me  pergunto, faltando isso tudo, o que mais sobra?


Interessados em dar uma olhada no livro, o 'The New York Times - On the Web' disponibiliza o primeiro capitulo na integra.