sábado, 23 de abril de 2011

Minha primeira vez (por Rogério Fasano)

O Restaurante 'The Fat Duck' situado em Bray, ha uma hora de Londres, ao comando do Chef Heston Blumenthal reservou, mais uma vez, seu lugar na lista dos 50 melhores restaurantes do mundo nesta ultima Segunda-Feira, na 5a posicao. E, completando a critica que coloquei no ultimo post, este texto super-interessante de Rogerio Fasano nos faz questionar mais uma vez a acuracia da tao famosa lista. Na minha opiniao, o que e' o melhor e' subjetivo e, definitivamente, uma questao de opiniao - tem aqueles que sao adoradores da cozinha moderna e outros que, como o Fasano, fazem de tudo pra fugir do que contrapoe as tecnicas tradicionais. Por isso, concordo com o Bruno Agostin, quando ele diz que, praqueles que querem indicacoes de verdade sobre quais restaurantes frequentar, o Guia Michelin ainda e' a melhor pedida. Ele tem um padrao de avaliacao e diz se o restaurante se enquadra ou nao naquelas prerrogativas. Nao lista este nem aquele como o melhor porque, com todas as possibilidades da cozinha atual e tantos inumeros bons restaurantes ao redor do mundo, escolher um seria como rotular um unico vinho como o melhor do mundo - nao existe, depende do gosto de quem o aprecia, da ocasiao, dos acompanhamentos, ou seja, de diversos fatores. Ai embaixo, o 'must-read', divertido e cheio de humor sobre o tal do 'Pato Gordo'.


“Desde criança, sou daqueles conhecidos como ‘do contra’. Basta inventarem uma nova tendência ou modismo que procuro uma ponte para passar por cima. Esse jeito de ser me faz invariavelmente adepto doditado ‘não fui, não vi e não gostei’. Por isso, demorei tanto tempo para tomar conhecimento da chamada ‘atual modernidade gastronômica’. Resolvi começar pelo que os aficionados desse tipo de cozinha consideram o mais ousado do mundo, o Fat Duck, a uma hora de Londres. Para quem não sabe, o chef Heston Blumenthal compete com Ferran Adrià, ano sim, ano não, como o melhor do mundo em várias publicações. Lá estamos, mesa para cinco: eu, minha mulher Ana, Drauzio Varella, sua mulher Regina e um amigo em comum, Isay Weinfeld (com quem já dividi inúmeros giros gastronômicos pela Itália). No caminho, fizemos todos a promessa de que iríamos sem preconceitos, para abrir nossas obtusas cabeças e entrar na experiência inglesa gastromolecular de Mr.Blumenthal. Afinal de contas, a Inglaterra é o berço da modernidade, e não é à toa que lá estão os geniais Paul Smith, Radiohead e Jamie Oliver.


Apesar disso, no caminho sentia um certo frio na barriga. Nem a paz e a beleza do interior da Inglaterra eram capazes de me deixar mais tranqüilo. Tinha medo do que estava por vir. Venho de uma família que tem como filosofia que uma refeição perdida nunca é recuperada, daí sofrermos tanto quando reclamações procedentes nos são feitas. A cidade é Bray; o lugar, um antigo cottage, arquitetonicamente charmoso, mas destruído por cinco quadros supostamente modernos, que fariam Picasso franzir a testa. Vamos ao que interessa:


Antipasto 1: nitro chá verde e mousse de limão.
Uma espuma de limão extraída de um sifão é jogada dentro de um pote com nitrogênio a 150 graus negativos, tornando-se imediatamente sólida, a comida vapt-vupt. O efeito? Quase nulo. Apenas amortece um pouco a língua; se soubesse o que viria pela frente, teria comido estas bolinhas como pipoca, para amortecer de vez o palato.



Antipasto 2: Ostra com molho de maracujá em mousse de gelatina.
Gostaria de deixar aqui uma pergunta: existirá no universo algum tipo de molho que melhore uma ostra? Duvido. O nosso era um desses molhos que a nova cozinha tanto adora. Fico imaginando quem foi o sujeito que inventou que a comida gourmand tem que ser agridoce. Guilhotina nele.



Antipasto 3: Sorvete de mostarda com gaspacho de beterraba.
Desfrutamos o gaspacho de beterraba, com um insípido pãozinho servido frio. Quanto ao sorvete de mostarda, é exatamente o que se pode imaginar de um sorvete de mostarda. Estranhíssimo.



Antipasto 4: Pequenas geléias de sabores variados, que não consigo descrever, e cuja matéria-prima ninguém conseguiu identificar.


Antipasto 5: Pequenas torradas com trufas pretas. Excepcionalmente, são sólidas e normais na aparência. Chegaram a ser negociadas a peso de ouro, mas ninguém vendeu as suas. Mesmo sabendo, nós e o Sr. Blumenthal, que as trufas encontradas nesta época do ano são as piores que existem. Gostaria de fazer aqui um aparte: trufa é algo sublime que costuma mudar para melhor quase tudo aquilo que toca. Não confundir com óleo de trufa, que costuma ter o efeito contrário: destrói tudo e parece feito pela Esso, pois tem gosto de gasolina.


1º prato: Escargots com presunto espanhol e erva doce ‘barbeadas’. Muito saboroso.


2 º prato: A quantidade de açúcar que acompanha o foie gras com cereja e camomila nos trouxe de volta à realidade.


3 º prato: Chamado sound of the sea; um espuma branca de textura estranhíssima, com uma espécie de areia-farofa servida ao lado. E acompanhada de quê? De um iPod. Sério! Todos nós recebemos o aparelho, que fomos obrigados a usar, e que reproduzia barulhos do mar. Detalhe: o meu tinha uma camada extra de cera no fone de ouvido, deixada pelo último comensal. Fingi que não percebi e coloquei o meu, afinal de contas as pessoas vão ao Fat Duck para aplaudir, não para reclamar. Fica aqui uma sugestão, seria muito mais higiênico e faria o mesmo efeito, uma concha marinha.
Após retirarmos o iPod, Regina comentou: ‘Estive mês passado no que é considerado o restaurante mais antigo do mundo, que serve assados em Madri’. A mesa quase veio abaixo. A curiosidade voltou-se toda para o que Regina havia comido. Isay, eu e Ana comentávamos o excepcional jantar que tivemos no Harry’s Bar de Londres, um clube privado, que serve cozinha italiana, na síntese da modernidade: rústica, porém delicadíssima.


4 º prato: Já estava perdendo a paciência com nosso amigo Pato Gordo quando chegou um salmão pochê com aspargos, alcaçuz e grapefruit. Sem exageros, considero o pior salmão que comi na vida.
Último prato: Excepcional costeleta de carneiro, porque estávamos na terra do melhor carneiro do mundo, mas era servida com um molho doce, muito doce. O Fat Duck é quase uma confeitaria, que serve alguns salgados.


Meu jantar aqui chegou ao fim. Pulei os doces, pois já tinha comido açúcar demais. Assim fez também Drauzio, que não come açúcar e já tinha ingerido sua dose pelos próximos 20 anos. A sobremesa mais famosa do lugar é um sorvete assim descrito: ‘nitro-ovos mexidos e sorvete de bacon’. Se o sorvete de mostarda já tinha sido duro, o que fazer então com a versão em bacon?
Os outros à mesa receberam o sorvete, mas apenas o tocaram, o que deixou os maîtres um pouco indignados. Não nos importamos muito, pois sabemos que nesses restaurantes, na grande maioria das vezes, o serviço é insuportável. Desde que alguns chefs foram elevados à categoria de diretores de cinema, seu staff age como coadjuvante de grandes estrelas. Eles se sentem contracenando com Marlon Brando ou como assistentes de câmera de Stanley Kubrick.
Exceção feita a um simpático irlandês, ruivo, que a cada esquisitice servida à mesa, com muita ironia, após dez minutos de explicação de cada prato, nos dizia: enjoy it! Como os recepcionistas da casa dos horrores.


Olhei para Isay - arquiteto moderno, antenado, culto, contemporâneo, enfim, entre os grandes - e entendi o que ele sente quando esta arquitetura feita com formas esdrúxulas é considerada moderna.
The end: a conta, 1.300 libras ou R$ 5.600, incluindo uma minúsculataça dos seguintes vinhos e saquê: Iphofer Kronsberg Silvaner SpatleseTrocken 2005; Vin de Pays des Côtes Catalanes, Le Soula, Roussillon; Vinoptima Gewürztraminer Reserve Gisborne; Rashiku Ginjo-SakeYamatogawa; Quinta da Falorca Reserva Dão; Barolo, Nei Cannubi LuigiEinaudi.


Voltamos ao nosso motorista, mais inglês impossível, e acostumado a levar pessoas ao Fat Duck, que com muito sarcasmo pergunta: ‘Any good?’. Isay de bate pronto: ‘No’. Motorista: ‘Lots of people say that’. Penso: nem tudo está perdido."





 Chef  Heston Blumenthal e sua Gastronomia "técnico-conceitual"

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