quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Alma de um Chef: Uma Jornada Rumo a Perfeição

"Nós estamos nos tornando, lamentou Keller, uma nação de 'noncooks'. Nos restaurantes, ele disse, cozinhar tornou-se refogar rapidamente. O que posso fazer que eu so' precise jogar em uma frigideira ou na grelha? Quanto realmente eu preciso processar este limento uma vez que o recebo na porta traseira? ... Atalhos no cozimento resultaram nos 'noncooks'. Enquanto o restaurante 'The French Laundry' recebe cabeças de porcos e cordeiros inteiros para dividir em postas, a maioria dos restaurantes recebem a sua carne porcionada em pacotes fechados a vacuo. Esta tinha sido a minha experiência. Eu tinha cozinhado mais de mil tiras de bifes como o cozinheiro grelhador no 'Sans Souci', mas eu nunca soube de que parte da vaca aquelas faixas tinham vindo, o unico abate necessário foi cortar e abrir o plástico. Atalhos para cozinhar na verdade sao uma forma de não se cuidar e, portanto, uma forma de desperdicio."(Pg. 300)

Ha uns meses atras, ainda nos Estados Unidos, li um livro de culinaria que nao tinha nenhuma receita. Isso mesmo, ele nao falava nada de tecnicas de cozimento nem da escolha dos ingredientes, mas ele mudou minha concepcao de muita coisa quando se trata de cozinhar. "The Soul of a Chef: A Journey Toward Perfection", escrito pelo autor Michael Ruhlman, graduado em Gastronomia pela conceituada CIA (Culinary Institute of America), e' um thriller que vai em busca da essencia do que e' ser um Chef, quais as qualidades que os torna diferentes das outras pessoas e o que diferencia os bons dos grandes. De acordo com Ruhlman, grande parte da identidade do que e' ser um Chef foi perdida ao longo dos ultimos anos. O autor diz que ser um Chef significa muitas coisas para muitas pessoas;  o treinamento formal nao e' um pre-requisito para se tornar um Chef e te-lo nao significa automaticamente que voce e' um - muitos do grandes Chefs da atualidade como o Thomas Keller, por exemplo, sequer tiveram aulas de culinaria. Fora o fato da minha cachorrinha ter mascado toda a capa da minha edicao, ela esta quase que toda colorida de marcador de texto pelos seus belos dizeres e questionamentos interessantes.


O livro e' dividido em tres partes. A primeira parte aborda o Exame para Master Chef, que acontece no 'Culinary Institute of America', e e' um teste extremamente dificil que visa avaliar objetivamete a perfeição sobre um amplo conjunto de provas de culinaria avaliadas por uma banca de Master Chefs. A taxa de insucesso dos participantes é altissima, mesmo para aqueles no topo da sua carreira profissional que cozinham em alguns dos melhores restaurantes do mundo produzindo diariamente alguns dos pratos mais originais e criativos ja degustados. É um teste cansativo, desgastante e uma medida de excelência que não é aceita por muitos na indústria, principalmente porque poucos podem realmente repassa-la nos seus ambientes de trabalho. Dado o tempo perdido, os gastos e o estresse que impõe, e' de se questionar que alguem ainda se submeta a ele. De acordo com o CIA, existem cerca de 2 milhoes de Chefs nos Estados Unidos e dentre estes, apenas 53 sao considerados Master Chefs, sendo que 170 ja passaram pelo exame desde seu inicio em 1989 (dados de 2001, quando o livro foi lancado). Para fazer a prova, o Chef deve pagar inicialmente uma quantia de $4.400, alem dos gastos adicionais com deslocamento ate a California, hotel e o que mais for necessario durante os 10 dias ou 140 horas intensas de testes. Dos que pagam e tentam, mais da metade nao passa. Mascarado como um observador, Ruhlman acompanha os candidatos que fazem o exame, testemunhando os erros críticos na execução e no aperfeiçoamento de pessoas que realizaram essas mesmas tarefas inúmeras vezes antes, mas que falham devido as circunstancias as quais estao sendo submetidos. O teste, que tenta definir um padrão de excelência na indústria, parece fazer muitos ruir sob a pressão, pondo em questionamento a sua validade, dada a comprovada excelencia previa dos Chefs. 


A segunda parte do livro segue falando do Chef Michael Symon e do quanto ele tem que batalhar para abrir Lola, um restaurante que vai lhe encher de notoriedade no meio culinario. Symon é conhecido por sua personalidade criativa, pelos seus saborosos pratos e atitude positiva. O restaurante, nem os pratos que ele oferece, sao considerados um exemplo de perfeicao e ainda assim Symon e' considerado um grande Chef -que alias nunca teve interesse algum de ser um Master Chef. A lista de espera é longa, o restaurante está sempre lotado e os comentários são sempre elogiosos, apesar de tudo. Sua equipe é fiel, querendo manter-se trabalhando com ele. Como isso pode acontecer em um lugar que nao busca a perfeicao? O que ele tem que o faz um grande Chef? 

Ruhlman passa então ao notável chef Thomas Keller do restaurante 'The French Laundry', considerado o melhor chef do país e talvez do mundo. Keller nao possui nenhum treinamento formal, mas um desejo de ser perfeito e instilar a perfeição em todos que o rodeiam. Keller também nunca se preocupou em ser considerado um Master Chef e ainda assim ele talvez supere a todos eles. Keller e' observado e retratado como um cozinheiro 'zen', com uma filosofia de cozinhar respeitando o alimento e sempre mantendo ao maximo as caracteristicas do seu sabor original. Sua filosofia é fazer de tudo pra utilizar toda a planta ou animal na producao dos pratos para seus convidados, como sinal de respeito à honra do animal e até mesmo dos vegetais. De acordo com ele, ambas as formas de vida precisam ser cuidadosamente tratadas de maneira a respeitá-los e todo o trabalho daquelas pessoas que cuidaram delas ate' aquele momento. Uma refeicao em seu restaurante é uma experiência pra ser lembrada sempre, nao somente pela excelente comida e pelo servico exemplar, mas pelas histórias que Keller conta através de sua culinária.

O autor, felizmente, se obtém de uma visão clara do que a alma de um chef é. Ele entende o que um teste não é capaz de medir e que aquilo nao e' o que verdadeiramente faz um chef ser grande. Ao refletir sobre Lola de Michael Symon, ele observa: "O que eu não sabia naquela época era que o molho sobre a mesa de vidro não importa, nem importa que as placas foram pintadas, se o chão esta arenoso. Isso não é o que importava aqui. Tudo o que importava era que você se sentiu bem no instante em que atravessava a porta. "(P. 205) Keller com seus padrões, Symon com sua personalidade -ambos compartilham de uma coisa, o desejo de fazer as pessoas felizes. Alguns cozinham por dinheiro, outros cozinham por necessidade, mas os grandes Chefs fazem porque algo os impulsiona. E isso é o que observa Ruhlman como sendo talvez a razão por que tantos grandes chefs talentosos nao passam ou nao se interessam em passar no Exame de Master Chef.  Eles são obrigados a cozinhar em um cenário nao natural para agradar a um painel de juízes. Eles são convidados a pegar o que eles têm feito toda a sua vida, cozinhar para fazer as pessoas felizes, e colocar de lado para que possam ser avaliados objetivamente. Sua principal ligação com o ato de cozinhar é retirada e, como tal, um pedaço de sua alma está ausente do exame.

Este livro nos faz pensar sobre o que realmente faz um grande chef e qual o núcleo da sua alma. Faz a gente se questionar coisas como:  Sera que eu tenho isso? Se não, sera que eu posso conseguir isso? Quais as normas que vou estabelecer pra mim mesmo? Como fazer pra obter o conhecimento que eu preciso para ser um grande Chef? E por que eu quero ser grande? Em uma nação de 'noncooks', cozinhar para as pessoas somente por dinheiro ao inves de paixão gera, como em qualquer outra profissão, a mediocridade. E eu sei que eu não quero cair nessa categoria. Sem ser fundamentada nos princípios da valorização do alimento e de toda a sua história,  a refeicao poderia muito bem ser produzida por robôs, uma comida onde a alma esta faltando. A história está faltando. Os prazeres simples de cozinhar estão faltando. E então eu me  pergunto, faltando isso tudo, o que mais sobra?


Interessados em dar uma olhada no livro, o 'The New York Times - On the Web' disponibiliza o primeiro capitulo na integra.

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